quarta-feira, 18 de março de 2009

Oficina: A construção do romance, com o professor Assis Brasil

Dias 27-31 de Julho
14h às 17h
Valor = 600,00
Há somente 2 reservas de vagas em aberto!
...............................................

Programa


1. O romance: seu conceito; achando o romance ideal para escrever; o necessário planejamento.
2. A personagem: advertências; sua criação. As emoções da personagem; a complexidade emocional da personagem: os problemas mais comuns; fazendo a coisa certa.
3. O conflito; o conflito como derivado da personagem. A sinopse: por que escrevemos uma sinopse; a sinopse e sua expansão.
4. A estrutura do romance: o romance como uma instituição orgânica. Noções sobre as modalidades estruturais: a estrutura diacrônica e suas variantes: a estrutura in media res; as estruturas fragmentadas e/ou dispersas. Quem contará a história? A escolha do focalizador.
5. O enredo do romance: o começo e sua promessa. A segunda cena: o problema. O meio do romance como desenvolvimento da promessa. A necessária alteração da personagem. O clímax. O final do romance.

Alguns dos tópicos serão acompanhados de exercícios feitos em aula e/ou em casa.

Pede-se, para melhor aproveitamento da oficina, a leitura prévia de: O náufrago, de Thomas Bernhardt; Os irmãos Karamázov, de Fiódor Dostoiévski; O grande Gatsby, de F. Scott Fitzgerald; Bartleby, o escriturário, de Herman Melville e Aurora, de Arthur Schnitzler.

Informações: charles.kiefer@hotmail.com

domingo, 11 de janeiro de 2009

Conto premiado

Meu conto O Sacrifício do Rei é premiado- menção honrosa, pela Academia Dorense de Letras- MG, e será publicado na coletânea do 7° CONCURSO NACIONAL DE CONTOS DA ACADEMIA DORENSE DE LETRAS - 2008.

Agradeço ao professor Assis Brasil. Estou mesmo contente!

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Paráfrase de Roda Viva (Chico Buarque, 1967)

Tem dias que a gente se sente
Como quem partiu ou morreu
A gente estancou de repente
Ou foi o mundo então que cresceu
A gente quer ter voz ativa
No nosso destino mandar
Mas eis que chega a roda viva
E carrega o destino pra lá

Roda mundo, roda-gigante
Roda moinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração

A gente vai contra a corrente
Até não poder resistir
Na volta do barco é que sente
O quanto deixou de cumprir
Faz tempo que a gente cultiva
A mais linda roseira que há
Mas eis que chega a roda viva
E carrega a roseira pra lá

Roda mundo, roda-gigante
Roda moinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração

A roda da saia, a mulata
Não quer mais rodar, não senhor
Não posso fazer serenata
A roda de samba acabou
A gente toma a iniciativa
Viola na rua a cantar
Mas eis que chega a roda viva
E carrega a viola pra lá

Roda mundo, roda-gigante
Roda moinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração

O samba, a viola, a roseira
Um dia a fogueira queimou
Foi tudo ilusão passageira
Que a brisa primeira levou
No peito a saudade cativa
Faz força pro tempo parar
Mas eis que chega a roda viva
E carrega a saudade pra lá

Roda mundo, roda-gigante
Roda moinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração


Quarenta anos depois
gira a moderna roda viva.

Estanque no cruzamento próximo ao escritório, Amanda fala ao celular com a empregada doméstica e aguarda o sinal abrir. Carros para cá, outros para lá.
O mundo cresceu de repente após o nascimento do filho Augusto. A rotina tornou-se uma roda-viva e carrega o destino com ela. Amanda não tem mais voz ativa e tem dias em que se sente como quem partiu ou morreu.
O sinal abriu. Ninguém andou. Carros parados de lá, carros atravessados aqui e ali. O tempo rodou naquele instante, nas voltas do coração de Amanda, cansado, na súplica ao pião para que rode as horas rápidas até a noite.
No escritório, os prazos a esperam —, nadar contra a corrente até não poder resistir é a solução — sentindo, ao final da manhã, o quanto deixou de cumprir. O tempo rodou naquele instante: o cliente adentra o barco navegante do dia de Amanda. Analisa com olhos críticos aquilo que havia sido feito. Para ela, a mais linda roseira que há. O cliente apenas enxerga os espinhos e insiste para que tudo se inicie outra vez. Amanda quer rodar o mundo e estar às voltas com o seu coração.
Almoço em casa com o filho e o marido, mas a mulata não quer mais rodar. Sequer adianta a serenata de Amanda ao pé do ouvido da empregada. Aquela roda de samba acabou. Amanda chora no banheiro, bem baixinho. A roda viva carrega a sua viola para lá e o tempo gira mais outra vez naquele instante.
No escritório, o moinho segue seu passo de roda-gigante. No supermercado as roseiras cultivadas por Amanda são arrancadas em um momento pelos números impiedosos da caixa registradora em troca dos poucos melões. Em casa, do marido, no peito, a saudade cativa. Tanto que faz força para o tempo parar. Não consegue e rende-se mais uma vez à roda viva, que carrega a saudade para lá. É hora de preparar o próximo dia. É hora de corrigir o menino. É hora de procurar outra mulata, ou uma alemã que lhe sirva.
A roda-gigante gira em câmera lenta. Amanda faz um samba, torra a sua roseira e aposenta a viola do seu coração. A fogueira de Amanda queima a roda viva em um instante sem pensamento.

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Oficina 39 no lançamento de Ensaios Íntimos e Imperfeitos

Luciane, Assis, Marinella, Stela e Juliana
Gabriela, Stella, Marinella, Assis e Mariza

Confiram a gente aí no lançamento do livro Ensaios Íntimos e Imperfeitos, do professor Assis Brasil, que aconteceu no dia oito de outubro, na Livraria Cultura.

sábado, 30 de agosto de 2008

Início, meio e fim

Minha sugestão para o tema da antologia é: "Início, meio e fim".

Porque nem todo o início é um começo
Nem todo meio tem um ponto final
E o fim nem sempre acaba

bjbj,
Ana

sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Idéia para motivo de livro

Minha idéia é... tchanám! O amor! Em todas suas formas. E meus motivos são:

1) "É só o amor, é só o amor / que conhece o que é verdade!" (R. Russo (ou é Camões?))
2) É o amor "che move il Sole e l’altre stelle" (Dante)
3) Os contos apresentados até agora (Ana, Ana, Viviane, Cícero) tratam de um jeito ou outro sobre o amor.
4) O mundo está precisando de amor, não é?

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Abertura para uma personagem

(transcrito do livro “Desvarios no Brooklyn”, de Paul Auster)



Eu procurava um lugar sossegado para morrer. Um dia alguém me recomendou o Brooklyn, e já na manhã seguinte saí de Westchester e fui sondar o terreno. Fazia cinqüenta e seis anos que eu não punha os pés ali e não me lembrava de nada. Eu tinha três anos de idade quando meus pais se mudaram do Brooklyn, mas instintivamente me vi regressando ao ponto de partida, rastejando, como um cachorro ferido, de volta ao lugar onde eu nascera. Visitei uns seis ou sete imóveis junto com um corretor local, e no final da tarde já havia alugado um apartamento térreo de dois quartos e jardinzinho nos fundos na rua Um, a meio quarteirão de distância do parque Prospect, num prédio de arenito pardo. Eu não sabia quem eram os vizinhos e também não me interessava saber. Todos trabalhavam das nove às cinco, nenhum tinha filhos, portanto o prédio devia ser até certo ponto tranqüilo. Mais do que tudo, era isso que eu buscava. Um final silencioso para uma vida triste e absurda.

por Leonardo Wittmann

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Início de narrativa... pelo autor

NOTICE

PERSONS attempting to find a motive in this narrative will be prosecuted; persons attempting to find a moral in it will be banished; persons attempting to find a plot in it will be shot.

BY ORDER OF THE AUTHOR,
Per G.G., Chief of Ordnance.


Fonte: Huckleberry Finn

terça-feira, 8 de julho de 2008

A personagem e o destino

Érico e seu destino

Acabara de fechar o dicionário e mirava o acaso: destino era a personificação da fatalidade a que supostamente estão sujeitas todas as pessoas e todas as coisas do mundo; sorte, fado, fortuna e seguiam as terminologias. Carla entrou rápido na sala e perguntou o quê Érico fazia ali sentado numa hora daquelas. Eu sempre ocupada, — disse — formigando pela vida.
— Podes continuar formigando por aí meu amor. Estou a pensar em nosso destino e hei de escrever a nossa história qualquer dia desses. Carla deu de ombros. Saiu. Ele ficou prostrado e deixou aos poucos o personagem ganhar a sua forma: inicia ao abrir a janela e admirar o jardim ensolarado. Ficção que se cria pesquisada e descrita com os destinos que a vida coloca para cada personagem. É necessário narrar a ação do personagem. To show and to tell, pensou. Ouviu uma voz atrás de si e virou-se.
— Todo o personagem necessita de mãe. — Dona Glória se acomodou na poltrona e acendeu um cigarro. Érico sorriu e beijou-a na testa.
— Precisa de mãe e destino. — Acrescentou ele. — De preferência uma mãe que não fume quando sua nora é médica e está na sala ao lado.
— Bobagem! Sem contar com a experiência de arrepiar com a qual se deve formar o conflito humano que há de envolver a história. Replica Dona Glória, com olhar furtivo.
Uma motivação meio doida invadiu Érico por instantes. Sentiu uma paixão sem fronteiras com a possibilidade de escrever algo, um roteiro de uma peça, algo assim que fosse. Seus olhos brilharam. Não ouviu as palavras seguintes. A concentração o absorvia.
Tomou em suas mãos uma folha de papel e, torcendo-a, simulou uma câmera. Virou-se novamente em direção à janela e “filmou” seu personagem e algumas reflexões. Não, muito vago para uma câmera. Não consigo fazer., pensou.
— Quem sabe um roteiro sobre uma loura doce, tipo aquela que transei há uns anos, quando solteiro, e que amava chocolates, lembra mãe?
— Lembro sim. Aquela que ficou enorme de gorda. Claro. Seria um ótimo roteiro. Mas onde se esconde o conflito. A história tem que ter o conflito. Quem sabe se essa loura ganhasse uma aposta e...
Érico perdeu-se de novo em devaneios e seus pensamentos não paravam mais de rodar, rodar, aquela loura, com chocolates, num bar, que ficou muito gorda e se encontrou com ele, quase se apaixonou e daí a Carla não aparecia quando os filhos sumiram e a separação já faz tempo quando for pra casa com seus três amiguinhos bichinhos com os quais conversava...
Carla entrou.
— Érico! Acorda! Que isso! Parece louco! Vem jantar. Que cheiro horrível de cigarro! Que envergonha dona Glória! Olha as crianças!
Carla saiu. Dona Glória teve que rir. Foram jantar.
Érico cruzou a porta e foi abalroado por um dos trigêmeos — Frederico — seguido de perto por Cácio e ultrapassado por Marcelo. Érico descreveu para sua câmera aquele espaço como se passeasse pela cidade: os carros eram as crianças e as empregadas eram os caminhões. A mãe — uma jamanta a ocupar espaço — e Carla, um trator que arranca tudo que encontra pelo caminho. Os sofás da sala de estar e as camas eram parques. A televisão, o teatro principal dessa cidade. Nela, não estava passando o desenho animado, mas sim, uma peça.
Os corredores e acessos que contornavam os móveis ao longo do apartamento equivaliam às ruas de uma grande metrópole. Havia restaurantes — os quais resumiam-se à cozinha, à sala de jantar e à churrasqueira — de onde brotavam os mais variados aromas culinários em dias alternados. Havia, como em toda a cidade moderna que se preze, aquilo que ninguém deseja ver, sentir ou ouvir. Descuidados podiam sofrer um assalto no meio da rua por pequenos pivetes — o cachorrinho de estimação. Essas ruas também podiam estar tomadas de lixo — brinquedos espalhados. A favela — na verdade a área de serviço — revelava a bagunça da vida. Local onde não existia sossego. As roupas emboladas, esperando para entrarem na máquina de lavar eram as pessoas da favela. Todas umas sobre as outras. Sem regras.
Os ciclos da lavadora e da secadora equivaliam aos ciclos diários: de dia — na lavadora — o trabalho; de noite — na secadora — o martírio familiar com a ausência de sono e conforto. Em ciclos constantes, essas pessoas atravancavam-se na sua existência.
Todos jantaram.
Érico se perdeu pela casa com sua câmera. Achou uma coisa: a banheira de hidromassagem. Algo capaz de interagir com o personagem.
Descreveu para sua câmera o espaço infantil — o quarto das crianças. Lá, encontrou Frederico e fingiu ser quem não é, segurando a câmera. Era a hora do diálogo — Faz de conta que sou um câmera-man. — ganhou a atenção do filho para a conversa.
Iniciou-se uma discussão e Érico mostrou e disse suas poucas razões. Viu-se contrariado pelos trigêmeos. Largou a câmera e mudou o seu destino, “personificação da fatalidade a que supostamente estão sujeitas todas as pessoas e todas as coisas do mundo; sorte, fado, fortuna” ao esbarrar no discurso direto de Frederico, no indireto de Cácio e nos implícitos do Marcelo. Exausto, largou a folha de papel.

sexta-feira, 4 de julho de 2008

200 anos da família Fagundes em quinze linhas

Lídia Fagundes não tem descendência. Casou-se, separou-se, e casou-se de novo, mas não teve filhos porque acha que o mundo está prestes a acabar. Teve nove irmãos, dos quais oito já morreram – na guerra. Salvou-se só Bernardo, que sempre foi diferente, nunca teve o sentimento de pertencer à uma comunidade, nem sequer à família – imaginem então se ia lutar pelo país. Em vez disso, isolou-se em seu mundinho de fumadores de maconha, e por isso foi imediatamente repudiado pelo pai, Odílio Fagundes, coronel do 6º Batalhão de Engenharia de Combate do Exército. Odílio dedicou toda sua vida ao Exército, mas foram, esses, tempos de paz. Deixou seus dez filhos ao cuidado de Marília, seguindo nisso o exemplo de seu pai, Rodrigo, também militar. Rodrigo Fagundes nunca disse com exatidão quantos filhos teve – às vezes eram cinco, às vezes eram seis –, nem se os teve todos com Raquel, sua mulher. Rodrigo era filho de um padre, o Padre João Ambrósio, da Igreja da Santa Maria da Puríssima Conceição, que foi excomungado pela Santa Sede por não cumprir os votos e por outros desmandos. Da união dele e uma mulher cujo nome se perdeu nasceu Rodrigo, e dizem as más línguas que ele teve outros seis irmãos, bastardos. O Padre Ambrósio sempre o negou. Difícil saber, só resta a lenda, já se passaram quase 200 anos.

sexta-feira, 27 de junho de 2008

Sobre o implícito

Para entender o implícito, acho legal esta letra do Bob Dylan, onde, o mais importante, ele diz em quatro palavras, que não dizem nada e dizem tudo. Serve também, quase qualquer conto de Hemingway, eu acho. Mas esses não dá para postar aqui. Tem um tão legal, The Big Two-Hearted River, muito longo, dividido em duas partes, que trata de um jovem que sai, sozinho, dois dias, para pescar. A descrição do rio, as águas, a pesca, etc., é tão boa que para mim isso foi tudo. Só anos depois li que nesse conto estava implícito o assunto da guerra. Não me lembro bem se o jovem tinha escapado de ir à guerra, ou tinha um trauma de guerra. Mas de tão implícito, ou de tão maravilhoso que era "o superficial", eu não percebi. Bom, nas quatro palavras "vazias" do Bob Dylan dá para perceber que o "narrador" (vale isso para letras de música?) está dizendo tudo menos o mais importante.

Most of the time
I'm clear focused all around,
Most of the time
I can keep both feet on the ground,
I can follow the path, I can read the signs,
Stay right with it, when the road unwinds,
I can handle whatever I stumble upon,
I don't even notice she's gone,
Most of the time.

Most of the time
It's well understood,
Most of the time
I wouldn't change it if I could,
I can't make it all match up, I can hold my own,
I can deal with the situation right down to the bone,
I can survive, I can endure
And I don't even think about her
Most of the time.

Most of the time
My head is on straight,
Most of the time
I'm strong enough not to hate.
I don't build up illusion 'till it makes me sick,
I ain't afraid of confusion no matter how thick
I can smile in the face of mankind.
Don't even remember what her lips felt like on mine
Most of the time.

Most of the time
She ain't even in my mind,
I wouldn't know her if I saw her
She's that far behind.
Most of the time
I can't even be sure
If she was ever with me
Or if I was with her.

Most of the time
I'm halfway content,
Most of the time
I know exactly where I went,
I don't cheat on myself, I don't run and hide,
Hide from the feelings, that are buried inside,
I don't compromised and I don't pretend,
I don't even care if I ever see her again
Most of the time.

terça-feira, 24 de junho de 2008

Patrícia e Isadora chegaram a casa às três horas e encontraram o pai e o irmão sentados na sala de estar tomando um café. Poderia ser uma reunião agradável entre pai e seus três filhos. Também poderia ser que os objetivos dos filhos não fossem alcançados. Tudo isso dependeria do curso do encontro.
— E então, pai, pensou bem no assunto? — perguntou Isadora. Seria bastante sensato que ele houvesse decidido como os três filhos desejavam.
— Querida filha minha — respondeu seu Leopoldo ao se remexer na cadeira e calmamente levantar — há mais coisas entre o céu e a terra do que pode constatar a sua jovem irrequieta filosofia. Vamos com calma com esse tal assunto de vocês.
Fez-se sentir o silêncio na sala e os três se entreolharam. Seu Leopoldo sabia que eles estavam cruzando os olhares, mesmo estando de costas para todos, servindo-se de café na bancada. Não iriam conseguir o que queriam assim tão fácil. Não é que quisesse teimar com o pedido dos filhos. No fundo sabia que eles tinham alguma razão. Também sabia que existiam motivos bem pessoais e próprios da personalidade de cada filho que alçavam seus objetivos. Não queria se render a eles.
Devolveu, então, a Isadora a primeira parte de seu argumento questionando-a sobre os destinos daquela casa, caso ele saísse de lá. Ela titubeou e tentou esconder dele que venderiam a casa e que parte do dinheiro seria usada para pagar a dívida de sua empresa. Mais silêncio arrancou olhares cruzados dos três filhos. Isadora calou-se. Patrícia, então, aventurou-se:
— Mas pai, ainda que esse seja o problema de Isadora, estamos pensando em sua saúde. Será que dá para pensar nisso também, por favor, e parar de teimar com o que não tem mais tanta importância?
Seu Leopoldo sentou-se na mesma poltrona novamente e mirou o dia lá fora. Estava frio. Por segundos passou em sua mente Patrícia quando pequenininha. Sempre argumentadora, prestativa e concentrada. Boa menina. Olhou para a filha com carinho e disse-lhe:
— Bem, é verdade, mas também é certo que se eu for para lá você vai precisar estar menos comigo e poderá dedicar mais tempo ao seu trabalho e a sua família, né?
Patrícia ficou visivelmente contrariada e procurou demover o pai da idéia de que não o visitaria. Claro, sabia que isso não era completamente verdade. Ele estava certo. Fazer o quê, se estava difícil essa vida de profissional, mãe, dona-de-casa e filha de pai que gosta de chamegos.
Seu Leopoldo deu um risinho escondido. Olhou para o filho mais velho, Elias, como que esperando o desfecho.
Elias era providente e sensato. Seu Leopoldo sabia que os interesses dele eram bem mais obscuros, no entanto. Esperou para ver como seriam revelados. Elias fez um movimento levando a mão direita à testa. Olhou para fora com ar de preocupação.
— Pois é, pai. Só que parece que dessa reunião de família haverá de sair uma decisão. Somos três contra um, aqui. Sabes que será melhor para você estar com pessoas da sua idade, divertindo-se e não mais apegado ao trabalho e à empresa. Eu posso tocar o negócio muito bem sozinho.
Seu Leopoldo não moveu uma expressão sequer. Entristecido estava por não poder ouvir dos filhos seus sinceros motivos. Mais triste ainda ficava em saber que eles preocupavam-se tão pouco com o seu bem-estar. Lamentou que a esposa não estivesse mais presente. Ouviu de Elias que mesmo que ela estivesse lá a decisão estaria tomada. Seu Leopoldo foi buscar outro café. Serviu-se. Virou-se para os filhos, olhou-os com carinho por um instante e encerrou o assunto:
— Essa casa é minha alma. A empresa ainda é meu motivo de viver ,e, as visitas da Patrícia e dos netos são minha maior alegria. Nenhum lugar, por mais aconchegante, alegre, confortável substituirá o que me resta. Desculpem esse velho gagá, mas daqui só para o céu! Estamos conversados!

domingo, 22 de junho de 2008

3 X 1

- Nem por um decreto.
O pai não queria ir para um asilo de jeito nenhum.
- Não estou velho.
Os irmãos entreolharam-se. Cléber pigarreou. Era o primogênito. Fumante. Abriu a boca para dizer algo, mas Verinha fez-lhe um sinal com a mão.
- Papi, ninguém aqui está dizendo que você está velho -, Verinha tinha um jeitinho doce de falar, os olhinhos sempre sorrindo. Os irmãos concordaram. A mana continuou:
- Pensamos no seu bem. O senhor não gosta de dançar? Pois então, lá tem bailes da terceira idade aos finais de semana. Pelo menos o senhor se diverte, conhece pessoas novas.
- Gosto da minha casa. Daqui, só pro túmulo.
- Mas pai... -, Cléber começava a impacientar-se. Remexeu-se na cadeira. Apalpou os bolsos em busca do cigarro. Novamente Vera entrou em cena:
- Tem até hidroginástica.
- E enfermeiras gostosas -, completou Rita, lixando as unhas. Os irmãos repreenderam-na.
- Gente, o que foi que eu disse de errado?
O pai riu. Não era um riso prazeroso, mas sarcástico.
- Não vendo, não troco, não dou. Esta casa é minha e repito: daqui, só pra sete palmos abaixo da terra.
Estava lúcido, o velho desgraçado. O jeito era ganhá-lo no argumento.
- Pai, você já nem consegue subir as escadas, passa o dia sentado na sala. Pra quê precisa de um casarão desses? Dá pra construir três prédios só no terreno dos fundos.
Verinha cutucou o irmão. Será que dava para ser mais sutil?
- Vocês querem é me enterrar vivo.
- Ai, papi, que idéia! Nós vamos lá visitar o senhor sempre que der, não vamos? Ó, viu? Jamais o abandonaremos.
- Nunca vêm me ver... nunca -, balbuciou o velho para si. E soltou um pum.
O cheiro se espalhou pelo ar.
- Papai! -, Rita torceu o nariz.
- Velho porco -, ofendeu Cléber.
Verinha nada disse.
Seu Antenor bateu com a mão na perna, deu o assunto por encerrado. Pediu a bengala. Levantou-se trêmulo, encaminhou-se para o sofá, não sem antes retrucar:
- Se o lugar é assim tão bom, porque não vão morar lá vocês?

O combate

Cumprimentaram-se. Todos os dias, “Olá, tudo bem?”, assim davam início à conversa. Almoçavam juntos pontualmente no mesmo horário, na mesma mesa do asilo, uma mesmice sem fim. Mas isso não impedia de saudarem-se como se não encontrassem um ao outro há anos. Andavam repetitivos, os amigos de infância. Gagás?

- Tudo. Só peço para não falar no Internacional -, gemeu o sofredor. Os colorados haviam perdido nos pênaltis.

Antenor desanimou, adorava falar do time do outro. Torcia contra o Inter muito mais do que a favor do Grêmio. Era um enchedor de saco fenomenal. Juvenal já o conhecia e às suas implicâncias, por isso cortava seus naipes tão logo sentavam à mesa. Almoçavam todos os dias juntos, já contei isso?

O velho gremista sugeriu falarem sobre o Lula, então. Taí outra coisa que não caía bem na mesa. De futebol, fala-se numa boa. Agora, de política? Não dá. A política não muda nunca. E de mesmice já bastava a rotina do asilo.

A opinião de Antenor sobre o presidente, o colorado Juvenal também repudiava. Não que discordasse, é que diariamente, os dois almoçavam juntos e falavam sobre política. Política e futebol. Citar sempre as mesmas coisas cansa o interlocutor. Antenor viu um passarinho pousar na grade da varanda e sugeriu o assunto morcego, “Que morcego? O Batman?”, pensou Juvenal, mas deixou o outro seguir com a idéia.

- Os bichinhos de estimação do Batman. Morcegos verdadeiros. Eles fizeram casa deles no meu sótão. Mas é como se fosse na minha casa. Na minha cabeça.

Juvenal riu. Esse Antenor vivia nas nuvens. Trouxeram uma gamela com feijão. Juvenal e Antenor se enfrentaram com olhos opacos. Os dois gostavam do toucinho que boiava no caldo aguado. Sempre um pedaço apenas e aquela guerra na mesa. Dessa vez, Antenor levou a melhor. Juvenal emburrou-se.

- Eu sempre soube que tu tinha morcego nesse cérebro. Há muito tempo – provocou.

Antenor não ouviu. Deliciava-se com o pedaço suculento. Ria por dentro. Do que o outro estava falando, sobre morcegos? Começou a falar sobre o Internacional e o Lula. Juvenal, ainda pensando no toucinho:

- Isso não vale.

sexta-feira, 20 de junho de 2008

Atitude

Cíntia e Alfredo já haviam chegado. Sentados na varanda, tomavam chimarrão com o pai enquanto esperavam Olívia, a irmã mais nova, encostar o carro.
- Oi pessoal, desculpem o atraso – disse ela ao subir o último degrau. Beijou e abraçou o pai que, depois de perguntar sobre a viagem, pediu-lhe que sentasse ao seu lado. Aquela conversa não seria fácil, por certo.
- Olívia – falou Alfredo, o irmão mais velho. – Já adiantei à Cíntia que está muito difícil cuidar da estância. E prosseguiu a falar sobre como as coisas mudaram desde que a mãe morrera. Dois homens sozinhos em uma casa, o pai doente, sem poder ajudar com nada, nem mesmo com os animais.
- Sei disso. Por que, então, não vendemos a fazenda e compramos um sítio? – sugeriu Olívia. - É menos trabalhoso. Mas Alfredo, de olhos baixos, disse-lhes que já estava cansado de viver no interior. Na verdade, havia conseguido um emprego na serralheria da cidade.
- Mas o pai precisa de companhia – falou Cíntia. – Alguém que cuide dele o tempo inteiro.
Cíntia morava na cidade vizinha com o marido e dois filhos.
- Uma mulher seria o ideal – precipitou-se Alfredo.
-Talvez – respondeu Olívia. – Ou alguém preparado para cuidar com carinho de pessoas idosas – e logo emendou: - na verdade, de pessoas especiais.
O pai, que ouvia a tudo quieto, sabendo do peso que se tornara para os filhos, primeiro disse-lhes que ele havia cuidado do nono deles até o fim. Mas entendia que os tempos eram outros e que cada um tinha seus compromissos e a própria família. Por fim, comunicou o consentimento que todos, entre receios e dor, queriam ouvir:
- Façam comigo o que acharem melhor.

segunda-feira, 9 de junho de 2008

Confissão

Por Mauro Paz

Minha paixão é doida, plena e incondicional. Não podia ser diferente. Ainda novo, invadiu-me e fez de mim um eu. Escravo voluntário me formei. Com o tempo, ela me ensinou as cores, as ruas, as dores e a compreensão de que posso e preciso saber sempre mais.

Mesmo a maltratando, vez que outra, nunca deu as costas. Ao contrário, me afaga e alimenta. Sem ela eu nada seria. Por ela vivo e através dela viverei.

Um dia é pouco pra homenagear ela que todo dia nos faz falar.

Vida longa à Língua Portuguesa!


10/06 – Dia da Língua Portuguesa
Obs.: Desculpem-me por abrir o coração aqui neste espaço, mas precisava desabafar.

domingo, 8 de junho de 2008

Exercício Diálogo

Fileira 9, junto ao maldito corredor. Na poltrona do centro, a mãe. Na janela, o menino.



- Fica tranqüilo, meu filho, o logo chegamos.

- E se o avião cair na água, por onde saímos?



A mãe retira o folheto explicativo inserido à frente do acento e indica ao menino.



- Pela saída de segurança, duas fileiras adiante.

- Mas se a asa estiver pegando fogo?

- Há saídas frontais.

A mãe repara minha apreensão.

- Não repare, é a primeira vez que ele voa.

- Quando pequeno também tinha medo de voar. Hoje faz parte da minha vida.

- Que maravilha. No que trabalha?

- Sou piloto.

A mãe cutuca a criança.

- Viu, meu filho, o moço é piloto. Voa todo santo dia e nunca lhe aconteceu nada.

O menino admira-me boquiaberto.

- Bem. Passei por alguns sustos.

- Sustos?

- Certa vez, ainda na escola de aviação, voava distraído, baixo. Quando dei por mim, estava preso na chaminé do Gasômetro.

- Nossa. Não me lembro de ter visto nada nos jornais – diz a mãe.

- Abafaram o caso.

- Por que o não está pilotando? – tasca o menino.

- Não é essa minha companhia, estou de carona.

- Pra qual companhia trabalha? – diz a mãe.

- VASP.

- AVASP não faliu?

- Sou um dos últimos lá. Fazemos apenas vôos restritos para o governo – aproximo-me da mulher – Informação confidencial, hein?

sábado, 7 de junho de 2008

Leopoldo ganha a aposta?

Nunca vi tanto luxo. Mulheres desfilam de chapéu. Ficam lindas assim. Que delícia o champagne, vou tomar mais uma taça. Chego a me sentir feliz nesta tarde azul-de-maio. Quase não faz frio. Quanta gente veio ao prado. Não sabia que Grande Prêmio era bom. Não fosse o sonho, não teria vindo. Há tempos não sonhava com ela. Mas ontem, de novo, aconteceu. Vestida de branco, entrou no quarto, sentou-se na cama e ficou me olhando. Não sinto medo quando aparece. Desta vez, falou sobre cavalos. Perguntei se eram os da estância. Enigmática, sorriu. Cavalos em dia de festa – sussurrou - jogue no número oito. Quis saber mais; em vão. E antes que eu pudesse abraçá-la, sumiu. É sempre assim, então acordo e penso em tantas coisas. Até hoje não me conformo, partiu de repente. Foi numa tarde de maio, como esta. Só eu sei como sofri ao receber a notícia da sua morte. Culpa e remorso, mas não quero pensar nisso agora. Hoje de manhã, abri o jornal e lá, na página do turfe, a foto do cavalo branco, o número oito do páreo principal. Não acreditei. A legenda da foto dizia tratar-se de Ciclone, o azarão. Num impulso, decidi. Vou apostar neste cavalo.............................................................................. e se alguém me vir apostando, o que vão achar? pensando bem, ninguém tem nada a ver com isso, dia de grande prêmio, preciso ter coragem, nem sei fazer a aposta, deve ser por aquela escada, um entra e sai de gente, a mulher de lábios carnudos me olha, os seios pulam do decote, perfeitos, quero tocá-los, gosto destes seios, duas taças, o champagne a escorrer, os bicos dois morangos a crescer na minha boca, ela sorri, me faz sinal, as faces queimam, vermelho-morango, não vou olhar, quem é o homem? acompanhada? disfarço, cadê o guichê? faço logo a aposta, assisto o páreo e vou embora, número oito, não foi o que disse, no sonho, minha falecida esposa? melhor me apresssar, quase cinco horas... apostei dinheiro grande, devo ter louquecido, tudo no azarão, foi dada a largada, os cavalos correm, Ciclone! quero gritar mas não grito, na estância eu no cavalo baio, o nome era Ciclone, agora lembro, a casa na beira do riacho, longe onde ninguém podia ver, nós dois em pelo sobre o pelo do cavalo baio, e se eu te perder? te perguntava, sem nada enxergar, neblina mansa cobrindo o campo, cavalos correm embolados, não consigo ver Ciclone, nuvem de pó e cascos, por que esqueci o binóculo, cavalos viram a curva, parecem todos juntos, locutor grita, não entendo, Escorial ultrapassa Aragon... Escorial na dianteira, Ciclone, vai Ciclone, reta final, Ciclone se aproxima pela esquerda, ouvi direito? Meu São Domingos! dá uma força, coração dispara, quero ganhar, só mais cinqüenta metros, delírio geral, em segundos o resultado.

quarta-feira, 4 de junho de 2008

Criar espaço para ?

O condomínio é comum. Incomum é a decoração do apartamento. Tintas, plantas, móveis, livros, tudo devidamente desorganizado. O apartamento é financiado. Há passarinhos, mas não há gaiolas. Não há cama, só há rede. No olho do furação, um computador. Solitário. É a mais valia, escrita, descrita. O apartamento ainda não está pago. Já precisa de reforma, reboco mofado, fios vermelhos, azuis, tudo jogado. O vidro da janela também está trincado. Mas é tudo muito limpo, banheiro limpo, muitos banhos. O jardim é no meio do apartamento, com mudas de árvores, flores, trepadeiras e fotos antigas.

segunda-feira, 26 de maio de 2008

Criar um espaço para ...

A luz do salão principal é fosca. O lugar é amplo e bem arejado, com janelões de ferro e vidro, ornados com cortinas clássicas em tons pastéis e marinho, bom para dissipar a fumaça dos charutos e das velas. Há muitos lugares para sentar, normalmente ocupados. Grandes vasos de vidro, que nascem do chão, abrigam ramos de lírio e copos-de-leite. Das paredes pendem telas antigas, abstratas, pintadas pelo mesmo alguém cujo nome não é legível. Ao lado da porta principal está o piano, sobre ele, os cinzeiros limpos. No fundo da sala, o bar. Bancos altos e estofados, bancada de madeira lustrosa e escura como o assoalho, muitas bebidas. Sentado no último banco, um homem calvo acaricia nostalgicamente o saxofone, fazendo-o gemer alto.